Registos quase magnéticos sobre quase tudo, sem se dizer rigorosamente nada.
Nota: para todos aqueles que não comentem os posts, a tortura é serem obrigados a adquirir o livro "Desconstrutor de Neblinas", de Domingos Lobo, autografado pelo próprio.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

MERDA NO BOLSO

A Sic mascarou-se de Tvi

Quem não se lembra do Perdoa-me, do All You Need is Love, dos Acorrentados, do Bar da TV e de tantos outros “brindes” que a Sic ao longo da sua existência nos tem oferecido em canal aberto? Mas todos estes «momentos altos» da televisão portuguesa juntos com o famoso Big Brother, não conseguem atingir o «patamar cultural» da mais recente estreia da Sic, o Momento da Verdade. É a prova de que o impossível está sempre a acontecer e o pior está sempre à espreita, acabando mesmo, infelizmente, por chegar. Resta perguntar como é que o Nuno Santos se lembrou duma destas?

O novo reality show da Sic(k) resume-se a enxovalhar o concorrente a troco de dinheiro. E há quem se preste a isto! A ideia é nunca mentir às perguntas colocadas para ganhar até 250 mil euros. As respostas são comparadas com outras feitas anteriormente num teste de polígrafo e se até à pergunta 21 o concorrente disser apenas a verdade e nada mais que a verdade, sai vencedor, mas de vida desfeita.
Na estreia, o novo “herói nacional” foi um cabo do exército que confessou logo na primeira pergunta que já tinha ido embriagado para o quartel. Mas a chacina televisiva continua. No estúdio estão também familiares do “concorrente” que, no meu entender, têm a espinhosa missão de servir de entretenimento adicional ao público da Sic, devido ao ar incrédulo que vão fazendo de cada vez que o “concorrente” responde às perguntas mais íntimas. E há quem se preste a isto!
As perguntas sucedem-se e os euros aumentam, isto se a verdade vier sempre ao de cima. Ao mesmo tempo, a auto-estima do “concorrente” e dos seus familiares vai batendo cada vez mais fundo, até que se esvai... Mas não há vítimas a lamentar, pois há quem se preste a isto! Gente que não percebeu a triste figura que ia fazer, só para aparecer na televisão e ganhar meia dúzia de euros, dinheiro que nunca compensará o ridículo e a invasão da privacidade de cada um.
Por dinheiro, quem se senta na cadeira em frente de Teresa Guilherme diz para a audiência da Sic; que saliva em frente ao televisor à espera de sangue; aquilo que nunca foi capaz de confessar a sós à esposa/marido, família e amigos.
E a televisão portuguesa continua a ser isto. Feita para o público que a vê, que somos nós. Resta descobrir de quem é a culpa.


Pedro

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

OLÍMPICOS DE BOLSO

Mal-estar olímpico

Uma tremenda confusão. Assim se pode descrever a delegação olímpica portuguesa que esteve presente nos Jogos Olímpicos de Pequim. Em todo o caso, sabemos muito bem as dificuldades que os nossos atletas têm, num país que só passa cavaco ao futebol. Aliado a essas dificuldades acresce ainda o presidente do Comité Olímpico Português (COP), Vicente de Moura. Quando tudo parecia perdido, aproveitou para dizer que se ia embora. Ainda bem, pois já lá anda há tempo a mais. Mas o mais surpreendente foi ter voltado com a palavra atrás logo a seguir ao Nélson Évora ter conquistado uma Medalha de Ouro. Muito mau!

Durante mais de uma semana, Portugal lamentou-se dos maus resultados olímpicos. Depois, Vanessa Fernandes conseguiu a Prata no Triatlo e, três dias depois, Nélson Évora conquistou o Ouro no Triplo Salto. Nesse momento Portugal passou a ter o melhor resultado de sempre nuns Jogos Olímpicos. Face a isto, a demissão do presidente do COP, as declarações de vários comentadores e os títulos de vários jornais deixaram de fazer sentido.
Se Nélson Évora não tivesse ganho o Ouro dedicaríamos centenas de horas a discutir o que está mal. Será que existe neste país lucidez suficiente para fazer o mesmo, mesmo depois das duas grandes prestações dos atletas do Benfica? É que apesar do Ouro e da Prata os problemas subsistem exactamente iguais.
Portugal até tem boas infra-estruturas desportivas e dá condições de competição superiores a uma grande parte dos países de igual dimensão, para não falar em apoios (apesar de insuficientes) aos atletas. Então o que falhou? A atitude? Decerto!
O que fez com que a participação portuguesa nos Jogos olímpicos fosse inadmissível não foram as derrotas, porque a essas todos os atletas estão sujeitos. O grande problema foi a atitude, ou a falta dela, uma tremenda falta de concentração e, por vezes, alguma falta de educação, tudo isto fruto da gritante falta de liderança do Comité Olímpico Português.
É necessário que, quem de direito, entenda que o desporto em Portugal não pode ser só futebol. É preciso trabalhar neste sentido e fazer os possíveis para que o nosso país esteja entre os melhores e sempre bem representado. Há muitos campeões em Portugal a lutar todos os dias para isso.

Pedro

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

MITOS DE BOLSO

A SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA, DE AURÉLIO LOPES

Pediu-me o Garrido que viesse hoje aqui perorar sobre o teu livro "A Sagração da Primavera". O certo é que não me apetece: estou em dia não, em crise de identidade, aziago à brava e não me apetece falar de primaveras quando o cinza invade tudo, semáforos, jardins, ruelas de fado vadio e penadas almas. O frio cacimbeiro deste Dezembro, entra-me pelas frechas do bestunto e o coitado, assim exposto às intempéries, às maleitas do solstício de Inverno, põe-se com rebeldias, vai-se ao tapete e nega-se à reflexão. Estou hoje como aquela personagem de uma peça do Tchekov a quem pediram para falar dos malefícios do tabaco e se pôs a falar da vidinha minguada e desinteressante, carregada de angústias existenciais sem o Sartre ainda saber da poda e ir lá pedir-lhe direitos de autor: nem o Pessoa, que andava por essas margens, mas se acomodava a beber aguardente e a construir duplos de si mesmo. E, depois, em Lisboa, minha pátria das memórias infantes a esboroar-se no desencanto de uma dívida grossa, não me apetece tecer loas ao Povo, aos seus ancestrais hábitos e costumes. Estou como a Rainha do Círculo de Giz Caucasiano, do Brecht, que gostava muito do Povo "mas o cheiro"…
Os teus livros, Aurélio, sobressaltam-nos, falam-nos das pedras, de bosta nos lajedos, casas de xisto e adobe, de bois mansos, de crenças e mezinhas, dos ciclos de fertilidade, de sementeiras e colheitas: estou noutra, meu. Os espanhóis, os holandeses e franceses que mourejem para nos encher as bancas dos supermercados, o resto são desvarios de antropólogo e nisso, por deformação profissional, não meto prego nem estopa. Quero-me manso, com ressaca suave que seja sequer a do Vasco Pulido Valente ao meio-dia, e para histórias de avoengos temos o Sousa Tavares que produz tijolos literários à velocidade do som e dá, ao que consta, de comer a muitos famintos portugueses desempregados e na penúria. Deixa-te de tretas Aurélio, essa das Maias não pega, a única Maya fértil que conheço é cartomante e serve-nos o ego à mesa com destino, dores de corno, sorte ao jogo e aos amores ilícitos, chave certa no Euromilhões e vem na "Pública" aos domingos de recato e modorra; é quanto basta para se ser feliz. Para o meu lado revolucionário e épico guardo as imagens do Maio/68; Paris a arder, o Povo aos gritos libertários com os poemas de Mao a tiracolo (não existem revoluções felizes, como sabes) e palavras de ordem descabeladas e urgentes escritas nas paredes da Sorbonne. E lembro outros Maios, estes primeiros, vividos no Rossio, fugindo ao trote das bestas da GNR - bestas tout court, é evidente. Está no currículo e serve para exibir nestas enrascadas.
Agora, falar das tuas Maias, é que não: terreno em que não me atrevo, sou doutro departamento; das claridades solares do Eugénio de Andrade, do estilo levado ao ínfimo do prodígio da língua do Herberto, do Ramos Rosa - deixo-te as cantigas de roda, os cantos e as danças que enchem os ciclos da vida, todos o sabemos, origens nossas é evidente, saberes e lúdico misturados, devoções e poderes com o espírito santo a velar por nós pecadores e eu, como o Mário Soares, agnóstico e republicano, a ler-te os calhamaços, bodo aos pobres, festas em louvor de crenças avoengas e tolhedoras da modernidade tecnocrática e consumista, diria o nosso primeiro se a tanto se atrevesse na liça tecnológica que nos vai desgastando o corpito e, pior, a dissoluta alma que penada anda. Nem com os teus caretos, face ao caos que antevemos, lá vamos, caro Aurélio. Nem com trinta dotes, concinados a morgado, por muito célebre que seja, do Casal do Ventoso. O Casal Ventoso que sabemos e nos dói à brava, traz o cavalo espetado na veia até ao estrebucho e já não vai lá com modinhas de roda. Estamos, neste istmo miserável da Europa, como os teus "judas": suspensos de cordas bamboleantes e moídos de dívidas e de défice.
Para antropologias bastam-me os romances do Aquilino. Não vou por aí, meu caro, como escrevia o Régio. Nessa teia não me envolvo, é chão demais para inseguros pés. Imagino-te, a penates, gravador a tiracolo, máquina fotográfica e livralhada congénere a calcorrear montes e vales, a ouvir velhas desdentadas cantando em agudo eslavo cantigas de crenças e de trabalho, que paciência de Job, meu caro, ou de chinês que está mais à mão e é mais em conta, armado em Giacometti, mas com estilo, convenhamos, no Covão do Coelho, na aldeia da Glória, nas faldas esquecidas de Trás-os-Montes, a broa e jeropiga, a perderes-te em solstícios e brumas, chás pró quebranto e mau-olhado, padre Fontes telúrico entre bruxas e lobisomens. Não dá com o nosso tempo, meu caro: somos da Baixa-Chiado, de torradinhas na Bénard, café na Brasileira, má-língua na Versailles, compras nas mercearias de engenheiro Belmiro e, para as folgas do intelecto, temos as Fnac que nos cheiram a Sena e Champ's Elisée. Os teus livros têm demasiado povo dentro, demasiado mundo nosso que queremos esquecer, como o Pessoa também queria. Mas tu não deixas, teimas em invadir o nosso espaço com os ritos ancestrais da subversão, com a tradição portuguesa, coisa em desuso como sabemos: a ASAE anda aí a fechar-nos a tradição por todas as esquinas, para que a nossa tripa não rebente de sebo, dobrada com feijão branco em tascas manhosas, gravanços com bacalhau, repolhuda com mão de vaca e ginjinha com elas. Enterramos as tradições como enterramos o Entrudo: sem lágrimas e sem revolta. Falta-nos o O'Neill para pôr isto a jeito e enterrado nos sábados do nosso descontentamento e do nosso caos colectivo e nem uma gaivota cega voa nos deserdados e esquecidos céus de Lisboa. Qual Primavera, meu velho, qual Sagração. A única que sabemos é a do Stravinsky, sentadinhos nas poltronas da Gulbenkian, ou do CCB, com o olhar vagamente enfastiado, tossindo à brava para disfarçar o desconforto, à procura de perceber aquilo, aquelas dissonâncias que levaram os broncos parisienses, em 1913, à pateada furiosa e agora nos amansam de reverência e prostração conformada, e as danças a que vamos são as da Pina Bausch, embora não percebamos patavina da simbologia implícita na desordem dos movimentos. Mais fácil ao nosso olhar vadio, porque nos rói no sangue, as danças do teu Rancho de Covão do Coelho, com seus pressupostos identitários, com o cântico da terra à ilharga, mas não dá status nem o terreiro serve para exibir o figurino. Às tuas metáforas do simbólico, do sagrado e do lúdico, contraponho a imaginação regressiva das minhas angústias púberes, de outros rios e gentes e queria ver-te, fatinho de caqui colonial, em busca de solstícios em "terra onde não há Primavera nem Outono, é tudo um sol em brasa", como escreveu o Carlos Tê, entrando em musseques, nas casas de zinco do bairro Samba, a falar quimbundo com as pretas, quimbundo aprendido nos livros do Luandino Vieira que só ele e o Zeferino Coelho entendem, e a quitandeira da esquina, ou no pretuguês do Mia Couto, e extraíres da rezinga crioula cantigas de louvor e fertilidade. Dessas andanças te safaste, por um triz; por lá andaram os da minha geração com o bornal à ilharga, forçados a inventar outros modos de sobreviver, face ao caos que para nós inventaram.
Do teu mundo, dessa magia que anda à solta em milhares de páginas dos teus livros, sei apenas dos meus tempos de férias nas beiras do botas, ali ao rés do Dão, região demarcada de ditadores pacóvios, vinho e pão de milho: regressava de lá com a boca carregada de esses beatos e os putos da Escola do Arco do Cego rebolavam-se de gozo. Sei das minhas passeatas pela Serra de Arada, entre aldeias abandonadas, uma das quais com ressonâncias bárbaras, Drave. Os homens haviam fugido a salto para França e só mulheres loucas restavam no meio do casario de xisto e sombras. Por lá ainda existem resquícios de altares pagãos, rusticidades urdidas no xisto e inscrições em lápides dos mortos eternos:"Que eu veja uma nova Terra e um novo Céu". Do fundo do vale ouvia-se o desvario dos gritos de mulheres alucinadas, misturados com o tinir dos chocalhos. Não eram gritos de aflição nem de chamamento, apenas gritos "Uuuuuuuhh!Uuuuuuuhh!. De repente, vinda do nada, uma mulher sozinha, que devia ter mais de 60 anos e os meus medos refluindo aos pés. Pensei, assustado, que fosse ela que gritava, mas não era. Perguntei-lhe que gritos eram aqueles e ela respondeu-me com a maior das naturalidades: "É uma pastora, está a gritar para manter os lobos afastados do seu rebanho". Agora, neste país, por muito que gritemos, os lobos não nos largam: ferram-no o dente até ao tutano – é a vida, como dizia o da Opus Dei.
Mundos nossos, Aurélio, que tu abarcas como poucos para tentares manter viva esta ideia perene de que o povo constrói a sua identidade a partir do seu mais fundo chão. Mas nós, nesta urgência suicida de escreviver, vamos à vidinha e, desapossados das ferramentas essenciais, tropeçamos na montra da nossa ignorância e vamos definhando sem honra nem glória.
A Snu Abecassis dizia, ou alguém por ela, que nós só sairíamos do retábulo do nosso século XVI, quando a Europa nos entrasse casa dentro. A Snu vinha da Europa loira e liofilizada, onde não se cospe no chão nem os homens apertam, de cinco em cinco minutos, as partes, receosos de que a virilidade se ausente para outras paragens; onde não há cantos de trabalho, nem procissões, nem bodo aos pobres, nem crenças no Espírito Santo e na Redenção. Pois é, a Europa está aí já, em força, e nós continuamos calaceiros, medrosos do futuro e Chico-espertos. Não saímos do retábulo fadista, desgraçado e nevoento do nosso século XVI. E a culpa é tua que teimas em atirar-nos à cara com a carga ancestral e luminosa das nossas raízes e nós, canhestros, não sabemos pegar nessa bagagem cultural única e intransmissível, para nos afirmarmos como Povo singular, engenhoso, orgulhoso e nobre. Tardamos, meu amigo. Tardamos.É verdade, não se esqueçam que o tabaco mata.


José

sábado, 16 de agosto de 2008

MOITA FLORES, ÁGUAS DO RIBATEJO, O MIRANTE E A SIC... TUDO NO MESMO BOLSO

O que têm em comum estes quatro? Simples, a premissa inicial. Moita Flores, o "apanha bandidos", está em todas, ou melhor, na Águas do Ribatejo já esteve e tem pena de não estar. Na SIC aparece todas as semanas como paineleiro de assuntos criminais, devido à experiência adquirida como Homem da Judite, ao mesmo tempo que promove a sua imagem... Pontos para as próximas autárquicas, pois a publicidade, seja boa ou má, é sempre publicidade e certamente que os munícipes scalabitanos se orgulham de ver o seu autarca na tv. Os problemas graves que a autarquia atravessa, alguns por culpa do jovem autarca, são ninharias. O que interessa é estar na tv a falar do vergonhoso caso Maddie ou seja do que for que assole o país. Santarém fica para segundo plano, mas o povo orgulha-se na mesma, porque o Presidente aparece na tv e sabe muitas coisas. É uma figura pública nacional e já tem sotaque ribatejano e tudo.
N' O Mirante marca presença todas as semanas, ora pois, mais publicidade gratuita para as próximas autárquicas. E quando não é Moita Flores a falar, falam outros por ele, pois quem não aparece esquece, já diz o povo, e deixar cair o homem que colocou em causa a CULT e as Águas do Ribatejo é sacrilégio, pois a polémica deve ser alimentada, até porque vende jornais, «e publicidade é sempre publicidade, seja boa ou má».
O "apanha bandidos" está em todas, menos em Santarém (e na Águas do Ribatejo). E quando daqui saír leva com ele material suficiente para mais uma novela. Que seja breve, pois a capital ribatejana merece outro respeito.

Pedro

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

BOLSO DE MEMÓRIA

A LITERATURA E O REALISMO SOCIAL – NOS 110 ANOS DO NASCIMENTO DE FERREIRA DE CASTRO

Desde Camilo que a nossa ficção se deixou seduzir (e, quanto a mim, bem) pela realidade portuguesa. A realidade que estava ao rés dos olhos, bastava para tanto fixar o olhar e ela entrava-nos pelos neurónios, a doer, atrelava-se à prosa como lapa à rocha em manhãs de vendaval. Com Camilo e com Júlio Diniz e, mais tarde, com Eça de Queirós, começávamos a saber pensar, literariamente, a realidade circundante, nossa e intransmissível – os seus mais obscuros linimentos.
Camilo, nos seus romances, nos interstícios da poeira romântica, convocava o Povo para o pôr a servir, para figura subalterna, passiva e serviçal. Eça, que pertenceu a uma geração que sonhava um projecto de transformação da sociedade portuguesa, de cariz progressista, influenciado por Hegel e, sobretudo, por Proudhon, limitou-se a uma crítica mordaz dos comportamentos da burguesia e da aristocracia endinheirada, de denúncia aos excessos lúbricos do clero, relegando, quase sempre, as classes trabalhadoras para um papel de observadores passivos ou de meros instrumentos ocasionais do jogo de intriga. Devemos-lhe, contudo, esse notável texto, lido nas Conferências do Casino, A Nova Literatura – O Realismo como nova expressão da Arte, a partir do qual a literatura portuguesa rompia, definitivamente, com os maneirismos barrocos e com o romantismo e assumia a crítica social, denunciando excessos e injustiças mais chocantes. Mas Eça e seus companheiros da Geração de 70, nunca chegaram, nos seus textos, a dar “verdadeiramente voz às camadas populares”(1)
A voz do Povo, enquanto sujeito da história, só aconteceria na nossa Literatura anos depois, através da pujante obra romanesca de Ferreira de Castro. Embora no romance naturalista O Amanhã, de Abel Botelho, publicado na última década do século XIX, o protagonista seja um tipógrafo anarquista, prenuncio já de algum inconformismo social, é através do romance Emigrantes, publicado em 1928, que Ferreira de Castro inaugura na nossa ficção o realismo social o qual antecipa, nos aspectos mais abrangentes e determinantes da denúncia da opressão do capital sobre o trabalho, o neo-realismo.
Ferreira de Castro, nasceu em Ossela, Oliveira de Azeméis, a 24 de Maio de 1898. Filho de camponeses pobres, emigra para o Brasil com 12 anos de idade. Em Portugal vivia-se ainda a aura romântica (muito camiliana) do “brasileiro-torna-viagem”, que buscava em Terras de Vera Cruz o seu El Dourado. Nada disso aconteceu com Ferreira de Castro: para o Brasil partiu com uma mão cheia de nada e de lá regressou com outra cheia de coisa nenhuma. Mas, para o jovem que já escrevia poemas na sua Ossela natal e aos dezoito escreve o seu primeiro romance, Criminoso Por Ambição, publicado em forma de folhetim, a experiência de quatro anos vividos no seringal Paraíso, em plena selva amazónica, haveria de constituir-se como determinante para a sua produção ficcional. O jovem emigrante recolheria na selva amazónica, através dos trabalhos mais duros e humilhantes, ao nível da semi-escravatura, mas igualmente em Belém do Pará, em S.Paulo e no Rio de Janeiro, elementos e vivências que lhe permitiram construir uma obra de 31 livros, entre romances, memórias de viagens e ensaio sobre arte, tornando-se o escritor português mais traduzido e conhecido do seu tempo e um dos mais prestigiados e universalmente estudados de toda a nossa Literatura.
É numa viagem a Manaus, logo após a publicação de Criminoso Por Ambição, que Ferreira de Castro, em contacto com outros compatriotas pobres, que no Brasil não encontram o paraíso prometido pelos engajadores, obterá os elementos que lhe permitiram a elaboração do livro Emigrantes, a sua primeira obra de fôlego, na qual se detecta já a estrutura novelesca, embora ainda com algumas fragilidades formais, que edificará o melhor da sua vasta obra. Manuel da Bouça, o protagonista de Emigrantes, camponês pobre e analfabeto, vai para o Brasil na esperança de conseguir fortuna para arranjar dote para a filha e poder comprar as leiras que fazem estrema com as suas. Mas o sonho desfaz-se e Manuel da Bouça regressa à pátria mais pobre do que partira e já desapossado das courelas que deixara como penhor do bilhete para a viagem. Só regressa, mesmo pobre e humilhado, por que os acasos da sorte o atiram para a confusão de uma revolta e ele consegue ficar com os anéis, a corrente e o relógio de um dos mortos na contenda. O profundo humanismo de Ferreira de Castro está patente na forma como olha para este homem desapossado, pela usura, dos resquícios de dignidade, como lhe percorre os sobressaltos das noites despovoadas, o acompanha, com solidário estremecimento, até à vergonha que o espera no seu regresso à aldeia. Aí chegado, é obrigado a mentir, a inventar um sucesso que não houve. Parte para Lisboa, expiando, na cidade grande, longe dos olhares dos seus conterrâneos, o fracasso e a mentira.
A sua obra-prima, a obra que o tornará conhecido internacionalmente é, sem dúvida, A Selva. Os seus anos de adolescente passados no seringal serviram-lhe para tornar verosímil esse inferno vivido pelos homens na floresta amazónica, para nos dar a dimensão da avareza, da tirania, da sujeição a que os trabalhadores são expostos por um sistema desumano e esclavagista. Em A Selva o personagem principal não é Alberto, o jovem monárquico fugido a uma revolução perdida, mas a selva amazónica, esse vasto espaço indomesticável, rude e impenetrável, perante a qual os homens que a habitam exibem os seus mais primitivos instintos: “Era um mundo à parte, terra embrionária, geradora de assombros e tirânica, tirânica! (…) Ali não existia mesmo a árvore. Existia o emaranhado vegetal, louco, desorientado, voraz, com alma e garras de fera esfomeada. (…) Os homens eram títeres manejados por aquela força oculta, que eles julgavam, ilusoriamente, ter vencido com a sua actividade, o seu sacrifício e a sua ambição.” (2)
O teórico alemão Wolfgang Kayser, refere, no ensaio Análise e Interpretação da Obra Literária, que A Selva “é nitidamente um romance de espaço”, de um “espaço geográfico e telúrico, em que se vem inscrever o espaço social”.
A arte literária de Ferreira de Castro é visionária, não só porque antecipa, brilhantemente, o humanismo neo-realista, mas por abrir à literatura outros horizontes geográficos e civilizacionais até então ausentes da ficção narrativa: a vida na selva amazónica, a emigração, as preocupações ecológicas.
Em O Instinto Supremo, Ferreira de Castro ergue a voz corajosa e solidária, para defender os índios do Brasil, as ameaças que pairam sobre o seu modo de vida, cultura e costumes, que a cupidez dos colonos vai fazendo desaparecer. É toda uma cultura ancestral, restos da civilização ameríndia, que máquinas infernais do capitalismo vão destruindo quilómetro a quilómetro. O Instinto Supremo antecipa em algumas décadas, (foi publicado em 1968) as nossas mais profundas preocupações ambientais, traz para o terreno da consciência colectiva universal, os problemas fulcrais da exploração sem freio que o capitalismo selvagem vem impondo aos recursos deste planeta que nos é comum, pondo em risco a sobrevivência das futuras gerações.
Ferreira de Castro foi um escritor profundamente comprometido com o seu tempo, corajoso, civicamente empenhado, denunciando nos jornais e através da sua obra, as injustiças, as perseguições a democratas, a opressão e a tirania do fascismo luso. O romance A Curva da Estrada é, pela sua crua lucidez, um dos textos em que essa vertente interventora de Ferreira de Castro mais claramente se assume.
O ensaio As Maravilhas Artísticas do Mundo, revela-nos um Ferreira de Castro cosmopolita, viajado, atento ao pulsar deste nosso mundo, sabedor e culto, escrevendo ou convivendo com os grandes vultos da arte e da cultura seus contemporâneos: Picasso, Gauguin, Matisse, Claude Monet.
O realismo social da obra de Ferreira de Castro é, nestes tempos dramáticos que nos querem obrigar a viver, obviamente incómodo. Para os poderes instalados é preciso, primeiro, denegrir e, subtilmente, tentar ignorar a obra ímpar do autor de A Lã e a Neve. A crítica instalada, impante, sempre serviçal, do alto do seu snob conservadorismo armado em modernaço, tenta passar-lhe ao lado: entretém-se com o Fernando Pessoa e com o baú das pepitas a haver, que talvez lhe garanta mesada grossa para pagar a renda – sobretudo, é preciso não irritar quem lhes paga a soldada. O ministro da cultura, a existir, andará certamente absorvido com outras transcendências, implorando aos deuses do seu exclusivo Olimpo que o não perturbemos com minudências, tentando ignorar que neste ano da graça de 2008 se cumprem 120 anos sobre a data de nascimento de um dos nomes cimeiros da Cultura Portuguesa do século XX.
Apesar de todo o silêncio (há silêncios ensurdecedores) “a obra romanesca de Ferreira de Castro, injustamente esquecida (…) merece uma atenta revisão, que, na actual conjuntura política em que o egoísmo prevalece ostensivamente sobre a solidariedade, possa iluminar os valores humanos que o seu realismo social exalta sem demagogia”. Justas e sábias palavras de Urbano Tavares Rodrigues.
A Obra de Ferreira de Castro está aí. Viva, a doer-nos, a mostrar-nos os lanhos que mais nos ferem e indignam. Uma escrita ainda actual e com futuro. Para o Futuro.

(1) – Urbano Tavares Rodrigues – Ferreira de Castro, o realismo social e a dignidade humana
(2) – A Selva, de Ferreira de Castro

José

quinta-feira, 24 de julho de 2008

BOLSO EM CRISE

A Crise vem aí

Portugal, como todo o mundo ocidental, vive agora um grave momento de crise. Mais profunda por cá porque produzimos muito pouco daquilo que consumimos, e por isso não se vislumbram melhoras. A verdade é que não estamos no bom caminho nem tão pouco parecemos preparados para a enfrentar. Desde 2002 que a nossa taxa de crescimento está estagnada, com uma produção nacional debilitada e dependente, aumentando por isso cada vez mais a dívida externa.

A crise financeira e a consequente travagem no investimento acaba por trazer a reboque o aumento dos combustíveis e dos bens alimentares. Perante isto, o que nos fica é a ausência de respostas por parte da União Europeia, nomeadamente do Banco Central Europeu, que parece desorientado no centro dos destinos financeiros de uma Europa cada vez mais fragilizada e sem soluções para resolver o problema do “desenvolvimento a duas velocidades” que ela própria criou.
No entanto também sabemos que apesar das alterações verificadas na produção e no consumo de petróleo, uma parte muito significativa do preço dos combustíveis é apenas especulação, existindo de facto grandes diferenças entre a procura real de petróleo e os números avançados pelas grandes instituições e pelas petrolíferas. Aliás, são hoje essas grandes instituições financeiras em conjunto com as petrolíferas, mesmo as de menor dimensão, que determinam o preço do “ouro negro”, e com grande opacidade.
Os resultados disto tudo são os constantes «crashes» nas bolsas, os investimentos em queda, o consumo em forte recessão, o desemprego em alta e para ficar, o aumento dos juros, o poder de compra cada vez mais reduzido. É este o estado da economia e das sociedades mundiais, onde cada vez mais a desigualdade social se irá notar e onde cada vez mais a insegurança será uma constante.
Por cá, parece que em 2009 o país irá atingir o pico de crise mais alto de sempre. Ainda assim, os portugueses continuam a recorrer ao crédito para pagar férias em “resorts” de luxo ou para garantir o primeiro «iphone» do mercado, lançado pela Apple. É caso para dizer que, de todo, não estamos preparados para o que aí vem. Resta apenas esperar para saber quais os efeitos nefastos que nos vão bater à porta, muitos deles consequência inequívoca dos erros do passado.

Pedro

segunda-feira, 14 de julho de 2008

TRADIÇÕES DE BOLSO

A Toirada dos Morangos com Açúcar

O tempo de facto não perdoa. Já passam 15 dias desde a Festa da Sardinha Assada, o dia em que Benavente se veste de gala para acolher os milhares de visitantes que se deslocam a esta vila, para num ambiente tipicamente ribatejano confraternizarem em torno de um fogareiro, comendo as sardinhas, bebendo o vinho e descobrindo os toiros. Agora só para o ano, mas fica a saudade de três grandes dias e noites, onde a amizade é o mote principal desta festa ímpar no país.
Relembro a Festa da Amizade porque foi precisamente na primeira largada de toiros que escutei alguns desabafos pelo momento menos bom que a festa brava em Portugal atravessa. A RTP foi proibida de transmitir Corridas de Toiros antes da 22.30 horas e mesmo a essa hora tem de colocar a bolinha vermelha no canto superior do ecrã, catalogando o espectáculo de toiros como um programa capaz de ferir os mais susceptíveis. Isto mais parece uma tentativa descarada de acabar com as nossas mais antigas tradições.
Primeiro perdemos grande parte da nossa identidade quando mudámos do Escudo para o Euro. Se tal não acontecesse, diziam, perderíamos o combóio europeu. O que aconteceu foi um aumento do custo de vida dos portugueses, com tudo a ser arredondado ao euro (são 200 escudos!!). Lá se foi a identidade... e o dinheiro.
Depois criou-se a ASAE para punir severamente todos os que não cumprissem os requisitos mínimos de higiene e segurança nos estabelecimentos comerciais. Com isto até a Ginginha do Rossio e as Farturas da “Ti Alzira” foram obrigados a remodelar os seus espaços, senão fechavam permanentemente. Assim se aniquilam ícones importantes dos nossos costumes.
A seguir a entidade reguladora vem proibir a transmissão de espectáculos taurinos na televisão estatal antes das 22.30 horas e obrigar à colocação da bola vermelha no canto, quebrando uma tradição cultural com cinquenta anos, tantos como tem a RTP.
Portugal está a começar a perder-se e qualquer dia arriscamo-nos a ser um país sem história.
É evidente que, tal como tudo na vida, têm de existir os que são a favor e os que são contra a festa brava. É também verdade que o espectáculo dos toiros tem a sua base no castigo do animal. Só que uma corrida de toiros, uma espera de toiros ou a picaria à vara larga são tradições seculares e fazem parte da identidade cultural de um país e das suas gentes. Impedir a transmissão de espectáculos taurinos na televisão pública (que todos os portugueses pagam na factura da EDP) é um acto extremamente autoritário num país que se diz democrático.
Em vez de se querer acabar com a identidade de um país que cada vez mais começa a ficar bolorento, o melhor seria proibir a gerações mais jovens de assistir aos “Morangos com Açúcar” e ao Wrestling, isso sim verdadeiros programas que incitam à violência e ao bullying nas escolas.
Banir estes programas da televisão portuguesa, por aí é que é o caminho, para ver se se começa a dar mais valor ao que é verdadeiramente nosso.


Pedro

segunda-feira, 16 de junho de 2008

PORTUGAL DE BOLSO


Ai Portugal Portugal…


A semana passada recebi um e-mail diferente. Não era um daqueles e-mails que recebemos às dezenas todos os dias com situações insólitas que nos costumam arrancar uns sorrisos. Este era apenas um e-mail simples de texto sobre aquilo em que se transformou o nosso país, depois de vários anos de governações had-hoc extremamente lesivas para Portugal e para os portugueses e cuja culminância foi agora atingida pelo governo liderado por José Sócrates. Apesar da simplicidade da escrita, percebe-se claramente um grande sentimento de revolta e descontentamento por parte do autor. Porque julgo que é importante perceber o que se anda a passar em Portugal numa altura em que as vitórias e os treinos da Selecção Nacional fazem esquecer o aumento dos combustíveis, as desigualdades sociais ou a fome no mundo, vou aqui partilhar algumas das coisas que estavam escritas no e-mail que recebi esperando que possam ter uma função consciencializadora.

Em Portugal:
- uma adolescente com 16 anos pode fazer um aborto, mas não pode colocar um piercing ou tatuar-se;
- se um dos cônjuges se quiser separar, basta pedir;
- um professor pode ser agredido na escola por um aluno e nada pode fazer, pois a sua progressão na carreira está dependente da nota que der aos seus alunos;
- um jovem de 18 anos recebe 200€ do estado para não trabalhar e a reforma de um idoso é de 236€, depois de ter trabalhado toda uma vida;
- o fisco penhora indevidamente o salário de um trabalhador e demora 3 anos para corrigir o erro;
- o estado vai gastar centenas de milhar de euros com o novo aeroporto, com a nova ponte e com o TGV e não tem dinheiro para baixar os impostos;
- nas zonas mais problemáticas das áreas urbanas existe 1 polícia para cada 2.000 habitantes;
- o IVA das cadeiras para os automóveis para quem tem filhos até aos 12 anos, assim como das fraldas descartáveis, é de 21%;
- grande parte dos exames médicos têm o IVA taxado a 21%, enquanto que em Espanha são taxados a 7%. No entanto uma noitada no casino com jantar e espectáculo paga apenas 12%;
- o governo incentiva as pessoas a utilizarem energias alternativas, mas multa quem coloca óleo vegetal nos carros porque não paga ISP;
- um jovem com 14 anos mata uma pessoa mas não vai a tribunal porque não tem idade. Um pai dá uma estalada no filho e é violência doméstica.

Como estes exemplos, muitos mais podiam ter sido aqui colocados, infelizmente, e é de facto preocupante aquilo em que o nosso país, mas também todo o mundo, se está a tornar.
Pedro

quinta-feira, 29 de maio de 2008

FUMAÇA DE BOLSO

Pão e Circo

José Sócrates fumou no avião e caiu o carmo e a trindade. A comunicação social fez primeiras páginas e aberturas de telejornal, como se não houvessem assuntos muito mais importantes do que a fumaça do primeiro ministro. É caso para dizer que José Sócrates, mal ou bem, anda sempre nas bocas do povo, e dar nas vistas é algo que sempre lhe agradou. De sorriso nos lábios aproveitou mais um tempinho de antena para falar ao coração dos portugueses com um pedido de desculpas a nível nacional e até para informar em primeira mão que vai deixar de fumar, como se nós nos importássemos muito com isso.

Se de facto a maior parte dos portugueses desconhecia que o primeiro ministro fumava (assim como a maior parte dos benfiquistas também não sabiam que o Rui Costa também tem esse vício), pois ele sempre cultivou junto das massas que era um homem exemplar de mente sã em corpo são e um desportista nato, o que a comunicação social acabou por fazer foi empolar a fumaça no avião sem nunca manchar muito a imagem de José Sócrates.
Apetece perguntar porque é que com tantos assuntos constrangedores para o país se vira a agulha para um assunto sem importância, enevoando o que de mais importante se passa em Portugal e que todos os dias toca fundo na carteira dos portugueses.
Dissecando a semana, acabamos por perceber que para o governo é muito mais importante manter as massas indignadas com a infracção à lei do tabaco por parte do primeiro ministro, do que com a visita deste à Venezuela de Chavez. Ou então para desviar a atenção de que as empresas portuguesas (e estão lá todas: BPI, BCP, CGD, Soares da Costa, Mota-Engil, Teixeira Duarte) se servem dos roubos obscenos da família de José Eduardo dos Santos ao povo Angolano e ao seu Estado, para aproveitar as oportunidades de negócio em Angola e que o governo fecha os olhos a isto em nome dos interesses nacionais. Ou ainda para dividir e amenizar a contestação à constante subida dos preços da gasolina e do gasóleo (chega a roçar a gozação) com grande parte desse aumento a reverter em imposto para o Estado e numa altura em que o Euro é mais forte que o Dólar.
No entanto a comunicação social acabou por não aprofundar devidamente qualquer um destes assuntos, preferindo focar insistentemente a fumaça de Sócrates num voo de Estado onde parece que a lei não se aplica, pois em casa de cada um de nós, um espaço privado portanto, somos livres de fumar sempre que nos apetecer.
De facto esta fumaça serviu e de que maneira a José Sócrates e ao governo, no entanto visto que os média andam tão interessados no incumprimento da lei do tabaco, valia a pena perguntar à ASAE porque é que nos estabelecimentos públicos não há vistorias de cumprimento da lei e porque é que a maior parte dos locais onde de início era proibido fumar por falta de condições de extracção, se voltou a fumar como dantes sem a realização qualquer tipo de obras. Fica o desafio.
Pedro

quinta-feira, 15 de maio de 2008

RECIBOS NO BOLSO

Causa e Efeito

Em Portugal a taxa de desemprego, em semelhança com o petróleo, vai atingindo níveis recorde quase todos os dias. José Sócrates prometeu 150.000 novos empregos nas últimas legislativas, mas até agora essa, como tantas outras promessas, ainda não foi cumprida. Ainda assim convém lembrar que em Portugal ter trabalho dá muito trabalho. Mas os que realmente precisam de trabalhar para sustentar as suas famílias acabam por sujeitar-se ao que há e é por isso que um milhão de portugueses trabalha a recibo verde.

Em rigor, o trabalhador a recibo verde trabalha como os outros, tem local de trabalho e cumpre ordens e horários. A diferença é que no final de cada mês passa um recibo verde para auferir o seu ordenado. Este milhão de portugueses, que por falta de alternativa se sujeita a este regime, trabalha sem subsídio de desemprego, sem assistência na saúde, sem licença de maternidade, sem subsídios de férias e natal e sem perspectiva de reforma.
A geração pós 25 de Abril é a mais qualificada de sempre, com um sem número de licenciados, pós-graduados, mestres e doutores. No entanto a revolução que permitiu este livre acesso à educação, não conseguiu ainda implementar o direito à protecção social para todos. Mas desengane-se quem pense que este é um problema de resolução fácil, que diz respeito apenas a uma única geração e que com ela acaba. É algo muito mais vasto do que isso e que se deve a uma dogmática protecção aos direitos adquiridos.
Numa linguagem muito particular e que não será totalmente desconhecida a José Sócrates, pode dizer-se que se o modelo laboral é rígido, o mercado adapta-se, logo (causa/efeito), os recibos verdes aumentam e a desigualdade social continua.
Os recibos verdes, um regime de excepção, são agora prática corrente num mercado de trabalho que não se guia por uma legislação laboral de igualdade. Com o seu constante aumento, os jovens que são “obrigados” a trabalhar com um regime que não lhes dá nenhuma segurança futura no seu posto de trabalho, acabam por não sair de casa dos pais, por não se casarem e por não terem filhos. Assim, o sistema de segurança social torna-se insustentável e, de futuro, não há reformas para ninguém. Nem para os que trabalham a recibo verde, nem para os outros.


Pedro

sábado, 3 de maio de 2008

TIROS NO BOLSO

Shots
A retirada de Menezes da presidência do PSD não apanhou ninguém de surpresa. Depois do erro de dimensão política em que se tornou, não se avistava outra solução. Foram seis meses de asneiras, de falta de rumo e de enorme impreparação política. São estes os senhores que se assumem como futuros governantes deste país, e nós deixamos! Resta esperar que o adeus de Menezes seja extensivo ao Cunha Vaz, ao Ribau Esteves, ao Rui Gomes da Silva e a todos os outros que faziam parte desta pandilha.

Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP, foi a Angola e depois de voltar, afirmou trazer com ele uma quase certeza de que o governo local e o MPLA estão muito empenhados na luta contra a corrupção. Uma vez Bernardino Soares também foi à Coreia do Norte e voltou convicto de que por lá o regime era democrático. Com toda a evolução positiva que o PCP teve a partir do momento em que Jerónimo de Sousa se tornou Secretário-geral, este tipo de afirmações mostram que afinal o PCP ainda não está no Século XXI.

Não seria bom que o Presidente da República portuguesa tivesse tido mais cuidado e sensibilidade política na visita que realizou à Madeira? Não seria bom que em vez de se juntar ao coro de elogios à “obra” de Jardim, tivesse enaltecido o sacrifício dos portugueses que trabalham e pagam impostos e que contribuíram e contribuem para que a “obra” pudesse e possa ser feita e para que o folião Jardim tenha sido sucessivamente reeleito à conta disso?

Em 2008 os portugueses têm esgotado as viagens para o Brasil. O endividamento das famílias mantém-se e vai alargando, até perto de 2043. Mas apesar disso o português continua a gastar dinheiro em belíssimos carros e em viagens de sonho. Durante a semana o português trabalha sempre o mais devagar possível, pois não lhe pagam o suficiente para se esforçar. No entanto assim que chega o fim-de-semana, o português “transforma-se” em dinamarquês, e até Domingo é non-stop sempre de carteira aberta.

Nos EUA, Bento XVI enfrentou a onda de indignação que o escândalo de pedofilia provocou na sempre muito puritana sociedade americana. Num acto raro nos dias que correm, não fugiu ao escândalo e deu o exemplo quando assumiu o erro e pediu desculpas.


Pedro

quarta-feira, 16 de abril de 2008

TELEMÓVEL DENTRO DO BOLSO


Todos somos culpados


Nos últimos quinze dias fomos obrigados a ver vezes sem conta (até à exaustão) a gravação, feita por um aluno “em camarote vip”, de uma disputa de telemóvel na sala de aula de uma escola secundária. Ao que parece, até ao aparecimento deste vídeo também ele gravado por telemóvel dentro de uma sala de aula, ninguém se tinha apercebido que a superproteção dos pais em relação aos seus filhos causa problemas de falta de autoridade e de educação nas escolas.

A leviandade com que este assunto tem sido tratado na comunicação social não tem sido um grande exemplo de serenidade, e apesar da indignação, toda a gente se tem entretido com os vídeos que a televisão mostra, filmados por adolescentes em salas de aula, em clara falta de respeito pelas regras.
De mãos na cabeça, os pais de filhos adolescentes reprovam toda aquela cena, descarregando na jovem as frustrações, incompreensões e inseguranças que sentem em relação aos seus descendentes.
Os professores aproveitaram o tempo de antena para enfatizar ainda mais o seu calvário e num excelente exemplo de autoridade, afirmaram ter medo dos seus alunos. Acrescentaram também algumas linhas no seu caderno reivindicativo.
Com este episódio as escolas privadas autopromoveram-se, sem no entanto dizerem que sempre que têm problemas os atiram para o ensino público. Um bom exemplo de honestidade.
Com tantos actos quasi circenses, ainda houve tempo para ficarmos a saber que todos os que consultam o Youtube têm uma opinião tão ou mais válida sobre escola, adolescência e educação, como os psicólogos, sociólogos ou pedagogos de nomeada; excelente exemplo de respeito pelo conhecimento. Ficámos também a saber que já se pode “sacar da net” uma música do género hip-hop com as vozes da professora e da aluna. Também tivemos conhecimento que se vendem t-shirts com a frase “dá-me o telemóvel, já!”. E não será muito difícil descobrir que com tudo isto e muito mais, a autoridade dos professores está em pior estado do que há quinze dias.
Para já continua a “diversão”, todos os dias com novos casos ou com mais desenvolvimentos. É até se cansarem, ou até aparecer outra coisa que deixará de imediato o estado da disciplina nas nossas escolas para segundo plano. Até lá, o 9º C da escola secundária Carolina Michaelis é a turma mais famosa do país. Está em grande!
Pedro

quinta-feira, 3 de abril de 2008

BOLSO DE FORA


Mais quatro anos?


Como é que se pretende que o povo confie na classe política quando os dois principais partidos caminham pelas ruas da amargura, coisa que bem se nota quando ambos entram em debates deprimentes sobre o estado do país? Como é que queremos que o desânimo não se instale, pois quando olhamos para Sócrates e Menezes a sensação que nos fica é que lhes falta dignidade, liderança e história credível?

As pessoas deixaram de ter interesse pela política nacional porque não acreditam que ela possa melhorar as suas vidas. A direita parece desfeita e o seu principal líder é o típico porreiraço, que apenas pretende fazer boa figura junto da opinião pública enaltecendo o mais possível a qualidade da sua liderança. Quanto à esquerda de Sócrates, aparece hoje completamente travestida e sem naturalidade.
As coisas estão longe de ser animadoras, especialmente quando a governação de Sócrates; que parece ter um poder quase nulo sobre a justiça ou o ensino; começa a alargar o seu poder sobre a vida privada de todos nós.
Se o governo de Sócrates tem dificuldades em controlar o Ministério da Justiça, não tem abrolhos para permitir os desvarios da ASAE sobre as nossas tradições e identidades. Se esse mesmo governo não tem muito poder sobre a educação e o estado em que a mesma se encontra, consegue expandir a sua autoridade para proibir as liberdades individuais de cada um.
Este controlo da vida privada dos portugueses contrasta com a falta de controlo dos assuntos públicos, esses sim de extrema importância para o país. No entanto, mesmo com todas estas actuações, José Sócrates acaba por ser o mais beneficiado, pois sabe fazer-se de vítima com muita categoria perante as acusações desorientadas da oposição.
Fica a sensação que neste momento todos trabalhamos a favor da reeleição de José Sócrates por mais quatro anos, seja por acção, omissão, confusão ou indiferença. Parece que tudo se conjuga, tanto à esquerda como à direita, para que o PS continue com maioria absoluta na Assembleia da República. A “máquina de propaganda” do governo está tão bem oleada e tem ramificações tão extensas, que até alguns “opinion makers” não se atrevem a beliscar o líder, tal é o fascínio que nutrem por ele.
Resta então perguntar o que será preciso para que todo o país ganhe consciência? Mais quatro anos?


Pedro

segunda-feira, 24 de março de 2008

BOLSO DE GOZAÇÃO


A graçola do “Xico” Dias


Esta semana estava tudo pensado para esta crónica de opinião. As reformas da educação e a manifestação dos professores eram o tema central. Iria falar de como a Fenprof pede a cabeça de Maria de Lurdes Rodrigues, tal como sempre aconteceu com todos os ministros da educação desde que há democracia. Abordaria também as avaliações dos docentes, focando que a progressão na carreira deve acontecer para aqueles professores que se preocupam com os seus alunos e com as suas aulas. E talvez ainda tocasse na parte em que a substituição de um professor que falta a uma aula, por outro que está na escola sem aula para dar e dentro do horário de trabalho (tal como acontece todos os dias em qualquer outro local de trabalho) devia ser algo natural. No entanto apercebi-me que o assunto poderia ferir algumas sensibilidades. Daí que uma volta de 180º faz com que esta semana o tema seja inédito nestas minhas crónicas, Desporto...

Na passada quarta-feira durante a hora de almoço, o meu amigo Francisco Souza Dias lançou a seguinte pergunta: O que é pior que o 11 de Setembro e que o 11 de Março?
Perante o encolher de ombros de todos, a resposta saiu calmamente: É o onze do Benfica!
E é assim que seis milhões ficam desolados com esta dura verdade. No entanto se a resposta fosse o onze do Sporting, não seria despropositada, porque os de Alvalade esta época também andam como os da Luz, sem classe.
Nessa mesma quarta-feira o Benfica jogava com os espanhóis do Getafe a segunda mão da eliminatória da Taça UEFA. Já sem Camacho e com Fernando Chalana como “bombeiro de serviço”, os encarnados, que precisavam de marcar dois golos, fizeram um jogo sem chama, sofrível, e a espaços completamente desprovido de futebol. A eliminação já previsível só não aconteceu mais cedo no jogo porque o azar dos espanhóis aliado à excelente forma de Quim, foram adiando o golo das reservas do Getafe. Nem Mantorras quando entrou conseguiu ressuscitar um onze sem personalidade.
Sem alma, sem fio de jogo e sem motivação, o deserto de ideias do futebol encarnado ao longo de toda a época sobrevive, ainda, muito graças a Rui Costa. Dá gosto ver o Maestro “tratar a bola por tu”. De resto, ver o Benfica jogar em 4x2x3x1 é um suplício, com os jogadores completamente perdidos em campo. No entanto não é o modelo de jogo ou o treinador que são culpados daquilo que se passa dentro das quatro linhas. É também certo que o planeamento da época foi muito leviano e obviamente que os resultados estão à vista. Já para não falar nos negócios milionários que se passam nos bastidores com a compra e venda de jogadores.
Numa época para esquecer, restam ao Benfica segurar o segundo lugar no campeonato nacional, que dará acesso directo à Champions no próximo ano, e tentar chegar à final do Jamor. Mas para isso o futebol encarnado tem de melhorar bastante.
Pedro

quinta-feira, 6 de março de 2008

MIGALHAS NOS BOLSOS


O aumento do pão

Nos últimos tempos os produtos alimentares têm vindo a sofrer fortes aumentos. Das várias razões que se apontam para esta situação, o facto do solo agrário estar em acentuada diminuição um pouco por todo o mundo é a que acaba por ganhar maior expressão. Ao solo, base da floresta e da agricultura, “exige-se” agora que produza não só os alimentos, mas também as matérias-primas para os biocombustíveis.

No mundo, a área de solo para agricultura e a sua relação por pessoa tem-se reduzido em larga escala. Engenheiros agrónomos sustentam que, só em Portugal, a Superfície Agrícola Utilizada diminuiu 1,77 milhões de hectares desde 1956 (em oito anos, a Superfície Agrícola Utilizada em Portugal baixou em 5,1%, enquanto que na UE foi apenas de 1,9%). Na China, por exemplo, a cremação de cadáveres começa a ser obrigatória um pouco por todas as províncias, isto para que os mortos não ocupem a terra que faz falta para alimentar todos os que estão vivos.
Em Portugal, a diminuição da Superfície Agrícola Utilizada tem ficado a dever-se, em parte, à expansão exagerada e descontrolada das construções, com Planos Directores Municipais concebidos para uma população quatro vezes superior à existente. Perante isto parece evidente que muita da preservação dos solos passaria por um plano de reabilitação dos prédios urbanos existentes, reduzindo a construção de novas habitações. No entanto, como o comprovam os números, não é isto que tem sucedido e tal como em muitas outras coisas, em matéria de reabilitação, Portugal está também na cauda da Europa.
Porque o Governo criou os projectos de interesse nacional (PIN), eliminando assim possíveis barreiras que pudessem trazer problemas para a concretização de grandes empreendimentos, os “resorts” turísticos também começam a proliferar em larga escala. Perante isto e com o desprezo pela produção alimentar (o Ministério da Agricultura foi excluído da comissão de avaliação dos PIN), há cada vez menos hectares para cultivar. Assim, a lógica tem sido colocar cada hectare em agricultura intensiva. Contudo acontece o contrário, com a Política Agrícola Comum (PAC) a incentivar cada vez mais a agricultura extensiva e biológica; que como se sabe têm muito menor produtividade; e ainda a obrigar as explorações a não fazerem culturas alimentares em 10% da área de cultivo. Também as restrições à produção agrícola na Reserva Ecológica Nacional e na Rede Natura, que cobre 21% do território, não abonam em favor da agricultura.
É fundamental consciencializar toda a gente e em especial a classe política, de que o solo agrário é um bem que está a rarear mas do qual não podemos prescindir, e que a agricultura é imprescindível para o desenvolvimento de um país. O futuro nos dirá.


Pedro

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

25 ANOS FORA DO BOLSO


Zombies (ainda) à solta


Thriller chegou às lojas a 30 de Novembro de 1982. Michael Jackson tinha 24 anos. Vinte cinco anos depois, o disco que obteve sete Grammys na cerimónia de 1983, é o mais vendido da história da cultura pop, com mais de 100 milhões de cópias em todo o mundo.

De 82 a 84 saíram do disco sete canções seleccionadas para single, um número nunca mais repetido por todo o globo e que começou com “The Girl Is Mine”, num dueto com Paul McCartney. Depois seguiram-se “”Billie Jean”; que serviu para Michael Jackson firmar e afirmar o seu “moonwalk” (movimento de dança em quase levitação); “Beat It”, “Human Nature”, “Pretty Young Thing” e o endiabrado “Wanna Be Starting Something”. Para terminar, “Thriller”, com a voz cavernosa de Vincent Price e o invulgar e revolucionário vídeo realizado por John Landis, que elevou o álbum a um nível estratosférico.
“Thriller” apresentava um videoclip de 13 minutos que dava vida ao imaginário do tema sob a forma de uma curta-metragem de terror que nos enchia o ecrã de mortos-vivos deambulando pelas ruas de uma cidade americana. A liberdade criativa e o orçamento fantástico de um milhão de dólares, tornaram “Thriller” num fenómeno atípico do mundo pop.
O êxito do single que deu nome ao disco e por consequência mega êxito ao disco em si, elevou Michael Jackson a “rei da música pop” e atirou de vez o tímido rapaz de 24 anos para um universo paralelo e blindado ao nosso, universo esse onde ele há muito reside. Durante todo o período de promoção do sucessor de “Off the Wall”, Jackson passou da roupa elegante e informal para o uniforme militar, óculos escuros espelhados e luva branca de brilhantes. Uma mudança radical ao estilo de Andy Warhol.
Que explicação haverá para que “Thriller” tenha adquirido o estatuto de marco da música pop e que ainda permanece ao fim de vinte cinco anos? Talvez Michael Jackson tenha tido a sorte de lançar um fenómeno na altura em que uma nova era musical emergia, mas independentemente dos motivos que marcaram “Thriller” e a geração que o álbum atingiu, é importante perceber que este foi o fruto de uma estratégia promocional de excelência que se baseava na memória dos musicais americanos.
Vinte cinco anos depois, qualquer uma das faixas de “Thriller” continua a ouvir-se como se de um novo disco se tratasse e não estará a ser verdadeiro quem o disser de outra maneira. Tem uma linguagem dançável de raiz afro-americana, com muito Funk, Soul e Disco-Dound, às quais se juntaram porções de música Rock que serviram para elevar os sons da pop. Dinâmico, sofisticado e minimalista, é por isso que “Thriller” não é um disco como os outros. E os Zombies continuam à solta.
Pedro

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

SARTRE NO BOLSO


DO REBANHO

À memória de jean-Paul Sartre


Deus anda a dormir por estas ruas pedindo para a bucha
ou para o pó
cansou-se de ser Deus o que é humano e Freud explica ou o Ricardo Reis
deixou-nos como somos expostos ao silêncio
à pele da sombra
desesperados e amargos
à mercê dos elementos dos crashes na bolsa
e dos mercenários
vai pacientemente reconstruindo o corpo (velho mas em reciclagem permanente) a casa dos espíritos a mãe (uma pomba virgem, claro, com penas azuis) o sofrimento o sangue a cruz e o calvário – quanto mais trágico mais dominador e sangue a escorrer nas valetas para alimentar os medos
Deus está velho (mesmo nas gravuras mais recentes)
Há séculos que deixou de ter sentido de humor
Suporta-nos sem piedade babando-se enfastiado dos ócios da sinecura
Lamenta
O tempo que perdeu a olhar-nos do alto em nosso labor formigueiro, repetitivo e conformado
Despreza-nos sem resquícios de misericórdia
Por nos rendermos ao absurdo e ao caos
Sem um gesto
Um clamor
Um grito de revolta
vai contando os carneiros do rebanho
e adormece com a consciência do dever cumprido.
José

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

PESCA DE BOLSO

O prazer da Pesca

Pesca. Para muitos é sinónimo de enfado, mas para os seus praticantes é uma actividade cheia de emoções. Portugal é um dos países em que a pesca desportiva tem maior expressão, e pescar, como em quase tudo na vida, permite uma aprendizagem importante dos valores sociais, sempre a partir da experiência dos outros.

A pesca é uma actividade praticada ao ar livre, em pleno contacto com a natureza. Homens, mulheres e crianças praticam-na em quase todos os lugares onde exista água. A recompensa é uma mistura de consolação, gozo e divertimento, numa modalidade onde não existem barreiras sociais.
Há quem diga que já se nasce pescador e esta é uma afirmação que acaba por ser verdadeira, até porque existe em muitos pescadores uma aptidão natural para a pesca, contrariamente a alguns em que essa aptidão acaba por ser relativamente fraca. No entanto, aprender a pescar é muito fácil, basta ter algum interesse pela actividade, concentração e perícia. Muitos aprendem a pescar desde muito cedo, influenciados pelos pais, avós ou amigos. Outros começam a interessar-se um pouco mais tarde, no decorrer da vida, o que não impede que o entusiasmo seja grande e que perdure.
A pesca é um dos maiores prazeres da vida de um pescador, porque apanhar peixe é muito mais que uma mera questão de sorte ou azar. Pescar permite uma aprendizagem constante sobre este desporto e quanto mais se aprende mais fica a certeza que existe ainda tanto por conhecer. Talvez seja este sentimento que torna a pesca tão fascinante e atractiva.
Em grupo, a pesca é um dos maiores e mais duradouros prazeres para um pescador e talvez seja o espírito de competição que nos mantém persistentemente a pescar, mesmo quando se “luta” contra uma “grade” ou contra condições climatéricas adversas, sempre na tentativa de ludibriar o peixe, seja apenas para gáudio pessoal ou para fazer boa figura junto dos outros pescadores. No entanto, a camaradagem é um dos grandes dividendos que se retira desta actividade desportiva e de lazer. Sempre que se fazem deslocações para pescar nos mais diversos e interessantes locais, depois da pesca fica o companheirismo e a certeza de um dia sempre diferente e estupendo.
Esta é a essência da pesca desportiva - o prazer, a paciência, a paz de espírito e a camaradagem; esta última que em alguns casos, acaba por resistir aos testes de muitos anos.


Pedro

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

NO BOLSO... APENAS...


O “Familia”


Figura muito carismática e querida por todos aqueles que o rodeiam, na sua terra é tratado quase como rei. Conhecido em mil lugares por este Portugal, Manuel Lagareiro, mais conhecido como o “Família”, vive cada dia como se fosse o último. À vinte e oito anos que o conheço. É um homem sem idade, apesar das suas setenta e tal primaveras.

Ligeiro no passo, boina na cabeça para esconder a careca, na boca um português suave do maço amarelo (um Ramalho Eanes, como ele lhe chamava quando pedia tabaco ao balcão da taberna da Xica da Fé). Na face as rugas descobrem-lhe a idade porque o tempo não perdoa. Todo vestido de azul e de sapatos pretos, o pullover ostenta, a vermelho, um homem montado num cavalo a tocar uma corneta com três letras por baixo, CTT. À tiracolo leva uma sacola castanha de cabedal duro.
Parece que foi ontem, mas já lá vão quase vinte anos quando pela última vez o vi a distribuir cartas pela manhã. Sabia as moradas todas de cór. Depois só voltava aos correios pelas cinco da tarde preparando-se para fazer a última tiragem. Uma hora depois montava-se numa pasteleira preta, voltava a pôr a sacola de cabedal ao ombro e lá ia pedalando pela vila fora, de marco do correio em marco do correio, recolhendo as cartas que mais tarde seriam ensacadas e enviadas de camioneta para Lisboa. O dia de trabalho acabava por volta das sete e meia. Dos correios seguia para casa, à procura do jantar.
Agora o “famila” está reformado e apesar de não vestir de azul nem andar com uma sacola de cabedal à tiracolo, continua a palmilhar a vila de lés a lés. Ainda usa a boina na cabeça para tapar a careca e as rugas na face são cada vez mais profundas, como se cada uma delas fosse um episódio marcante da sua vida. A barba tem sempre um ou dois dias de feita e as mãos calejadas mostram uma vida de trabalho. Uns óculos de armações amarelas apoiados no nariz escondem um olhar meigo e doce. Facilmente se emociona e é viciado na sua família.
Dá-se bem com toda a gente e é muito querido por todos. Por onde quer que passe recebe sempre os bons dias ou as boas tardes, retribuindo alegremente tirando o boné da cabeça em sinal de respeito. A sua terra natal enche-se de alegria por onde quer que ele vá. E ele lá vai, andando alegremente para a frente e para trás com um cigarro na boca, o tal do maço amarelo, sempre satisfeito, deixando o tempo correr devagar, porque não tem pressa, não tem pressa nenhuma.
No dia 20 festejou mais um aniversário. Parabéns Lagareiro...

Pedro

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

JUVENTUDE DE BOLSO

Adolescência a Cem à hora

Começam a sair com 12 ou 13 anos. Bebem, fumam, frequentam bares e discotecas, mesmo que a lei não o permita. Os shots são a bebida de eleição desta camada etária, por serem normalmente mais baratos que as restantes bebidas – é possível apanhar uma grande bebedeira aproximadamente em quarenta minutos por pouco mais de cinco euros. Saltam para os balcões rodadas de Orgasmos, Pasteis de Nata e quando chega a altura “do golpe de misericórdia”, bebe-se um ou dois Kalashnikovs (vodka pura com uma rodela de limão e canela, a que se pega fogo), que apesar de fazer chorar os olhos e arder na garganta, faz, dizem, “crescer cabelos no peito”.

Uma qualquer sexta-feira à noite. Vestem-se as melhores roupas, de marca claro, olham-se vezes sem conta para o espelho para ajeitar os piercings e conferir se tudo está a postos para mais uma saída nocturna com os colegas, tal como se combinou na escola durante o dia. No bolso o dinheiro para mais uma noitada, nas mãos o telemóvel que apita de minuto a minuto com sms que chegam, enviando-se logo em seguida outras tantas num teclar incessante. Às 21.30 horas é hora de sair de casa. Até ao bar o percurso faz-se muitas vezes de carro, levados pelos pais, mas uma vez lá dentro, as recomendações são esquecidas e começam os excessos.
Os jovens de hoje têm o pico de consumos (álcool e drogas leves) muito cedo, com as consequências físicas e neurológicas daí decorrentes, e não é fácil fazer ver a um jovem entre os 13 e os 18 anos que o álcool e as drogas causam estragos permanentes a longo prazo. No entanto os pais parecem ter atitudes passivas perante estas realidades, afirmando que os filhos devem aproveitar a sua juventude ao máximo, enfrentando também com naturalidade as recorrentes bebedeiras de “caixão à cova” ou o facto de eles fumarem logo desde muito cedo, seja apenas tabaco ou até mesmo haxixe.
A globalização e o fácil acesso a roupas de marca, vários canais de televisão, Internet e outras tecnologias, colocam a maioria dos jovens todos no mesmo patamar social, sem diferenças tão marcadas como as de antigamente.
Cabe aos pais impor limites claros, deixar os filhos merecer a sua confiança, conhecer as companhias com quem os filhos se reúnem e fazer os filhos conquistar gradualmente a liberdade. É também importante nunca quebrarem a comunicação e não considerarem que a proibição leva à mentira.
A adolescência e a pré-adolescência são as idades da afirmação e da rebeldia, no entanto os pais não se podem demitir de ser pais.


Pedro