Registos quase magnéticos sobre quase tudo, sem se dizer rigorosamente nada.
Nota: para todos aqueles que não comentem os posts, a tortura é serem obrigados a adquirir o livro "Desconstrutor de Neblinas", de Domingos Lobo, autografado pelo próprio.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

NO BOLSO... APENAS...


O “Familia”


Figura muito carismática e querida por todos aqueles que o rodeiam, na sua terra é tratado quase como rei. Conhecido em mil lugares por este Portugal, Manuel Lagareiro, mais conhecido como o “Família”, vive cada dia como se fosse o último. À vinte e oito anos que o conheço. É um homem sem idade, apesar das suas setenta e tal primaveras.

Ligeiro no passo, boina na cabeça para esconder a careca, na boca um português suave do maço amarelo (um Ramalho Eanes, como ele lhe chamava quando pedia tabaco ao balcão da taberna da Xica da Fé). Na face as rugas descobrem-lhe a idade porque o tempo não perdoa. Todo vestido de azul e de sapatos pretos, o pullover ostenta, a vermelho, um homem montado num cavalo a tocar uma corneta com três letras por baixo, CTT. À tiracolo leva uma sacola castanha de cabedal duro.
Parece que foi ontem, mas já lá vão quase vinte anos quando pela última vez o vi a distribuir cartas pela manhã. Sabia as moradas todas de cór. Depois só voltava aos correios pelas cinco da tarde preparando-se para fazer a última tiragem. Uma hora depois montava-se numa pasteleira preta, voltava a pôr a sacola de cabedal ao ombro e lá ia pedalando pela vila fora, de marco do correio em marco do correio, recolhendo as cartas que mais tarde seriam ensacadas e enviadas de camioneta para Lisboa. O dia de trabalho acabava por volta das sete e meia. Dos correios seguia para casa, à procura do jantar.
Agora o “famila” está reformado e apesar de não vestir de azul nem andar com uma sacola de cabedal à tiracolo, continua a palmilhar a vila de lés a lés. Ainda usa a boina na cabeça para tapar a careca e as rugas na face são cada vez mais profundas, como se cada uma delas fosse um episódio marcante da sua vida. A barba tem sempre um ou dois dias de feita e as mãos calejadas mostram uma vida de trabalho. Uns óculos de armações amarelas apoiados no nariz escondem um olhar meigo e doce. Facilmente se emociona e é viciado na sua família.
Dá-se bem com toda a gente e é muito querido por todos. Por onde quer que passe recebe sempre os bons dias ou as boas tardes, retribuindo alegremente tirando o boné da cabeça em sinal de respeito. A sua terra natal enche-se de alegria por onde quer que ele vá. E ele lá vai, andando alegremente para a frente e para trás com um cigarro na boca, o tal do maço amarelo, sempre satisfeito, deixando o tempo correr devagar, porque não tem pressa, não tem pressa nenhuma.
No dia 20 festejou mais um aniversário. Parabéns Lagareiro...

Pedro

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