Registos quase magnéticos sobre quase tudo, sem se dizer rigorosamente nada.
Nota: para todos aqueles que não comentem os posts, a tortura é serem obrigados a adquirir o livro "Desconstrutor de Neblinas", de Domingos Lobo, autografado pelo próprio.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

POCKET

This blog's handicap is the lack of comentary. This reality makes he's author, me, myself and i, working a complete monologue. Maybe in english someone posts here some shit. I don't know, but let's find it out. Like the portuguese musicians that renegate their mother language to sing with the vocabulary of our Metween friends, i'm gonna work this blog in english.
So, comment this!

Happy new year!! Suckers!
Peter

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

BENFICA METEU O FCPORTO NO BOLSO

Esta capa do Jornal A Bola encheu-me as medidas. Um Benfica à Benfica foi o que se viu ontem no maltratado relvado da Luz. Mas o maltratado relvado e a chuva intensa foram condições madrastas para ambas as equipas. Daí não há desculpa. O que mais gostei foi do Jesualdo vir a terreiro, no flash interview da Sport TV, dizer que o FC Porto foi a melhor equipa e que dominou a toda a largura do terreno. Não vi esse jogo. Devo ter estado desatento. Em todo o caso note-se que em 96 minutos o FCP fez 4 remates à baliza encarnada. O Benfica fez uns meros 16. Mas se o Jesualdo diz que o FCP dominou e podia ter ganho, ele lá sabe o jogo que viu.
Que grande capa de jornal. E o Benfica ontem, foi de facto Gigante. Ridicularizou o FC Porto e mostrou que o Pedro Marques Lopes (no À Lei da Bola - SAPO) se equivocou.
Uma última nota para falar da arbitragem. Foi má, prejudicou o Benfica (os amarelos ao César Peixoto e ao David Luís começaram logo a condicionar o jogo defensivo encarnado) e nem falo na grande penalidade escandalosa nem na agressão do Cebola Rodríguez ao Javi Garcia. Em todo o caso, Jesualdo, estou contigo. O FC Porto bem que podia ter ganho o jogo. Não ontem, mas podia. (Come umas Felhoses que a azia passa).

ps- apesar de algum facciosismo da minha parte, há nisto tudo um fundo de verdade, começando logo pelo facto de que o Benfica é Grande. Podemos não ser Campeões, mas este Benfica está bem e recomenda-se.

ps 2 - Boas Festas. Até o Pai Natal é vermelho!

Pedro

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

NATAL DE BOLSO

Este é um blog atípico. Ou se escreve duas ou três coisas seguidas, ou se está quase seis meses sem colocar posts. Se muitas vezes chateava o meu companheiro de blog para mandar para aqui uns bitaites, coisa em que ele é bom, a escrita dele muitas vezes falhava na hora H e lá ficava este blog sem postagem. Por isso e a partir de agora, o Lobo passa a ter a porta aberta para aqui escrever o que quiser, mas como convidado de honra. O blog, esse, reclamei-o para mim. Fica com o mesmo nome, mas bem que se podia chamar o blog do Lagareiro ou coisa que o valha. Não me comprometo a escrever para aqui trapalhadas todos os dias, nem mesmo todas as semanas, mas comprometo-me a dar mais actividade literária a este espaço de profusão da palavra. Mas para que isso se possa tornar mais que um monólogo de ideias sem fundamento, é preciso que os raros seguidores escrevam por cá qualquer coisa, nem que seja mandar-me para onde quer que entendam.
Boas Festas.

Pedro

sexta-feira, 17 de julho de 2009

LARGADAS E TOIRADAS - SEMPRE NO NOSSO BOLSO

Vira o disco e toca o mesmo
Numa altura em que as festas tradicionais, algumas de cariz mais popular que outras, acontecem semanalmente um pouco por todo o país, os defensores dos animais voltam à carga contra às touradas. É uma moda que só pega nos meses mais quentes e que tem uma solução praticamente imbatível: extinguem-se os toiros e acabam-se os “maus-tratos”. Remédio santo!

Mas se os espectáculos de toiros; essa tradição secular e tão portuguesa que principalmente no Ribatejo faz fervilhar o sangue dos homens cada vez que o toiro sai “à rua”; são amplamente criticados, ninguém se lembra das condições aberrantes em que, por exemplo, os porcos são criados. Suiniculturas, a maior causa de poluição de rios e de outros recursos aquíferos, que pode até causar epidemias à escala mundial. E alguém se preocupa com isto?
Sintra e Cascais declaram-se como dois concelhos “livres de touradas”. Uma moda. Porque ao fim e ao cabo, Sintra tem suiniculturas do pior que existe no país e Cascais tem planos de urbanização e construção muito mais agressivos e selvagens do que as condições de vida e de dignidade que o toiros têm no campo. Mas o que preocupa estes dois concelhos é declararem-se “livres de touradas”. Está certo!
E ninguém está interessado em saber como se matam os porcos nas suiniculturas – talvez seja até melhor não saberem. Há mais interesse na barbárie da tradição da matança do porco na aldeia (graças à qual ainda se conseguem comer uns enchidos sem sabor a plástico), do que como se matam porcos nas “fábricas”.
O que querem é que deixemos de poder ver corridas e brincadeiras de toiros – já nos tiraram o Escudo acabando assim com uma das nossas identidades, querem acabar com mais uma! Eu gosto muito de ver corridas, esperas e brincadeiras de toiros, talvez porque sou Ribatejano, ou talvez porque até gosto do meu país e das suas tradições. Não sei o que seriam as festas no Ribatejo sem toiros nem tão pouco sei se fariam sentido. O que sei é que há tanta coisa para nos preocuparmos e andam por aí alguns “iluminados” a querer acabar com uma tradição tão nossa.
As manifestações e os argumentos dos “engomadinhos anti-touradas” são coisas que me fazem muita confusão, embora não me surpreendam.Em vez do chico-espertismo que por aí se vê sempre que as câmaras de televisão e os microfones das rádios lhes são apontados, deviam usar os tempos de antena concedidos para coisas mais úteis e bem mais chocantes que acontecem, não só pelo país, mas também por todo o mundo.

Pedro

quinta-feira, 4 de junho de 2009

NO BOLSO DOS OUTROS

"Editado no ano passado e quase completamente ignorado pela crítica jornaleira e programas literários diversos, recupero aqui o mais que recomendável livro de contos de Domingos Lobo, editado pela Cosmos.O manifesto estético fica definido nos três relatos iniciais: a perfeição da escrita em Os gatos pardos e as chuvas de Janeiro, o humor corrosivo e acutilante de A estranha guerra do Largo do Intendente, e o murro no estômago de Pena capital. Há ainda espaço para um pequeno e sublime texto chamado A flauta, e para um título extraordinário: Monólogo do corcunda frente ao espelho quebrado das mil e uma noites.De humor corrosivo e murros no estômago se faz também Os navios negreiros não sobem o Cuando (ler um excerto aqui), romance do autor sobre a guerra colonial, em que os segundos se vão sobrepondo em crescendo ao primeiro, tirando-nos da cara o sorriso e substituindo-o, quase imperceptivelmente, pelo esgar da revolta e da impotência. Como apreciação comparativa, e sendo a temática idêntica, não fica nada atrás dos primeiros livros de Lobo Antunes, nomeadamente de Os cus de Judas. Nada mesmo. Antes pelo contrário."

Retirado do Blog A Escada de Penrose

terça-feira, 14 de abril de 2009

O BOLSO DE DOMINGOS LOBO


OUTROS MODOS DE CUMPRIR O SILÊNCIO
“O ROMPER DAS ONDAS”, de Rui Herbon


É provável que o poema de Sophia “Gritava Contra o Silêncio” diga mais deste novo romance de Rui Herbon, “O Romper das Ondas” (Prémio de Ficção de Almada/2008) do que as mais lúcidas lucubrações críticas: “Gritava como se estivesse só no mundo/como se tivesse ultrapassado/toda a companhia e toda a razão/e tivesse encontrado a pura solidão./Gritava contra as paredes, contra as pedras,/contra a sombra da noite.
Erguia a sua voz como se a arrancasse do chão,/como se o seu desespero e a sua dor/brotassem do próprio chão que a suportava./Erguia a sua voz como se quisesse atingir com ela/os confins do universo e aí,/tocar alguém, acordar alguém, obrigar alguém a responder./Gritava contra o silêncio.
A grande poesia explica, explica-nos, da maneira mais profunda; vai-nos às entranhas do ser em sua linguagem de signos: deixa-nos num êxtase de perplexidade, o interior do espelho que teimamos ver e nos está vedado; a poesia convoca-nos para os escombros do ser, para o enigmático, para os nossos mais escusos labirintos. É assim este livro de Rui Herbon, O Romper das Ondas.
Este livro começa por ser um corpo estranho no descolorido árido da actual ficção portuguesa. É um objecto lapidado até ao osso, um verbo límpido e seguro; a metáfora inesperada e sempre inventiva; a profunda ascese das palavras em seu inabitual rumor.
Tal como já acontecia no livro anterior Os Girassóis, igualmente este O Romper das Ondas é incómodo porque penetra, indelével, essa pele, esse cerco da nossa mais extensa e inominável solidão – a inquietação existencial, a impossibilidade de redenção (no sentido exódico), a incomunicabilidade como condição de absoluto.
Um texto moderno, assertivo porque se recusa à exibição; contemporâneo porque perplexo perante o seu tempo e a racional sensibilidade que o enforma. Exigente, porque arrisca, é insubmisso e vai contra a corrente; experimenta sem claudicar. Há neste romance uma voz grave, imperativa, feita de múltiplos diálogos, de um imaginário que toca Nick Cave e se sublima numa poética do ser, num hermetismo deslumbrado a lembrar Rui Nunes. Um livro que é um caso em sua exigente singularidade.
As estórias que O Romper das Ondas vai introduzindo na narrativa, proporcionais às entradas em cena das vozes (é um romance feito de vozes e de narradores, de onde os personagens estão ausentes ou serão aquilo que leitor inventar a partir de traços onde a subjectividade impera) que a preenchem, estão fora dos nossos referentes habituais e emotivos. A ambiguidade que este romance encena de forma magistral, elabora uma ficção alicerçada em referentes decadentistas, próximos de Bret Easton Ellis – mas sem a gratuitidade violenta deste, e o interiorismo avassalador e apocalíptico de William Burroughs.
Em O Romper das Ondas, as relações dos amantes são ecos de uma voz que se escoa e perde na voragem dos rumores íntimos, nesse esgotar dos sentidos: um acto espúrio. O romantismo, os resquícios que possam perdurar nos imaginários comportamentais hodiernos, está morto e enterrado. O amor é uma inutilidade, um simulacro, uma vibração de passagem – tão absurdo como a vida. Um abcesso, uma excrescência, uma etapa que se extingue vorazmente. Nesse amor, mesmo na abjecção, não há tragédia, mesmo quando os amantes encenam o suicídio – um acto de recusa, portanto.
A escrita de Rui Herbon é uma escrita feita de recusas: do fácil, do hiperbólico, do sonso ronronar barroco com que comparsas seus enfeitam o travejamento fabular. Rui Herbon apela a uma activa e permanente cumplicidade do leitor, não busca o olhar complacente de quem o lê, daí a provocação permanente, o jogo de quem tem os trunfos e os revela e oculta em permanente mutação. Uma escrita dentro da escrita, o seu abstracto e inquestionável percurso, eis o fulcro pelo qual se espraia o prosaísmo de Herbon. Este romance é um discurso “que fala por si”, ou seja, é o que quer dizer e o que esconde, um jogo de sombras em constante reverberação: o romance como representação.
O autor arrisca, confronta-se e reinventa-se permanentemente nesse frágil e orgânico corpo; rompe, com um sarcasmo acutilante e dúctil, com a modorra bem-pensante e bem-comportada que anda por aí a esponjar-se no lodo de uma literatura que finge uma existência que não é a sua, mesmo considerando a fatuidade que toda a obra de arte implica.
Este romance fala-nos da estranheza do vivido, de um compulsivo regresso aos campos escuros da memória e subjectivisa essa complexidade formal no sentido pessoano de “ontem/hoje”, utilizando a frase elíptica, a metáfora continuada (como acontece com Álvaro de Campos), a sinestesia que acompanha as falas e a narrativa, a forma modelar com que o romance percorre o seu corpus semântico para envolver um léxico ascético, maduro nas reverberações da fala, nos conflitos íntimos, no decadentismo que a enforma.
O Romper das Ondas é um romance que se “dissolve como um sonho ao romper do dia”, para utilizar uma frase de Óscar Lopes. Mas que, dissolvendo-se, permanece na angústia que transporta, na inquietação que suscita. É um romance solipsista, de estados de alma, com abúlicos e obsessivos momentos de descontinuidade, atravessados por uma poética despida, incisiva mas consciente da sua efemeridade. Há neste romance uma “consciência da consciência” como encontramos no Diário Íntimo de Henri-Fréderic Amiel, um radicalismo perceptivo de raiz bergsoneana.
O paradoxo existencial acontece em fragmentos de consciência, dir-se-ia de uma supralucidez que a narradora/personagem conceptualmente contém – mesmo quando a loucura parece marginar esta descida aos infernos do ser. De resto, é esta lucidez transversal que estrutura discursivamente o romance, que se vai adensando na 3ª. Parte, na qual o autor tenta deixar pista que componham o puzzle indistinto e dificilmente percepcionável pelo leitor comum. Desde Rui Nunes que o romance português não se aventurava por estas águas profundas, não arriscava um tão absorvente léxico para comunicar o incomunicável. Um romance que percorre a autoconsciência como sinal de continua perturbação, uma razão inescrutável na personagem principal deste romance que a faz deambular, psiquicamente, por unívocos universos; a inquietação, que é do domínio do consciente, em permanente interrogação; a absurda subjectividade do ser de Heidegger: o vazio, o nada. As perturbações do ser que encontramos no Livro do Desassossego de Bernardo Soares e, anteriormente, em Raul Brandão. “Antes, sabendo, ser nada, que ignorando: nada dentro de nada”, Ricardo Reis.
As sensações que a narrativa de Rui Herbon exprime (ou escamoteia) são de ordem subjectiva como em Alberto Caeiro, são reacções opositivas da sensibilidade. A protagonista sente de forma descontínua e por imposição abstratizante do narrador(a). Desse modo, o autor propõe-nos uma aventura sensorial, ao modo epigramático de Maria Gabriela Llansol, pelo interior sensitivo da personagem. E é essa viagem que é sedutora pelo inesperado, pela amálgama de sentidos que propõe. Daí esta viagem de interiores (pela casa, pela memória, pelas paixões, pelos companheiros de jornada; os que morreram (o ex-seminarista?); os que se perderam pelos caminhos da ficção – da vida?).
Esta escrita é, na sua singularidade, um jogo de aparências, de simulacros – a reinvenção permanente dos labirintos do absurdo no qual é difícil desvendar os códigos, mesmo quando nos aproximamos da luz. Daí o olhar, as várias derivas em que se inscreve, ser o mais palpável desta narrativa, o seu mais seguro chão. Mas um olhar que se nega a ver o pormenor, a descrevê-lo; apenas plana sobre os seres, as coisas, ou poucos lugares que nomeia: Nova Yorque, Paris, Rio de Janeiro, Elisa, Leonor, Butch – embora haja, para cada um, uma estória breve, quase sempre de recorte kafkeano ou herdada de Camus (de quem o autor nomeia uma passagem de O Estrangeiro). Assim, este olhar é um olhar sintético, loquaz, fenemenológico, afastando-se da lógica sincrética da narração comum: dir-se-ia entre o introspectivo de Rui Nunes e o abstratizante poético de Rodrigo Guedes de Carvalho – sem a fragmentária metástase de António Lobo Antunes.
Este jogo cromo-sintético radica num espaço interiorizado até à obsessão (a cama como espaço de desespero, de êxtase, de abandono – também do erotismo, do reencontro com um corpo que a protagonista procura e entra depurado pelos espelhos). O acto de ver é, assim, um acto inconsequente porque fechado em si: o olhar é um contínuo perceptível do real intraduzível, esse espaço entre “a imaginação e a nossa actividade intelectual”(1), de uma omnipresente sensação de vazio: nada é nada e a linguagem só produz novas formas de incomunicabilidade – a essência está algures, não é percepcionável.
Este modo existencial da protagonista – ou do narrador que denuncia esta íntima relação do corpo como um mundo onde todas as sensações coabitam, poderia caber inteiro nestes versos de Alberto Caeiro: “Fecho os olhos e a terra dura sobre que me deito/Tem uma realidade tão real que até as minhas costas a sentem./Não preciso de raciocínio onde tenho espáduas”. E esta paradoxal visão da vida e da sua ficção que O Romper das Ondas inscreve está ainda presente nestes versos de Caeiro: “Eu vejo a ausência de significação em todas as cousas”.
Há uma ascese elíptica neste modo de narrar que nos estremece, mesmo quando o hermetismo fragmentário desta fala torna, por vezes, intraduzível a substância – é a forma que prevalece e essa voz unívoca é, em si, um valor de sedução e apego do leitor.
Não já a realidade que de todos os lados assola o personagem de Os Girassóis, em O Romper das Ondas o real é extrínseco à narrativa, vive marginal a ela, fechada num tempo irrecuperável que se perdeu algures. Como para Caeiro, neste romance de Rui Herbon, “sentir é distrair-se” da vida, do seu húmus elementar, dessa seiva que alimenta os sentidos mas onde, paradoxalmente, nos perdemos.
As hipóstases que este romance suscita conduzem-nos à reflexão, são um desafio à nossa capacidade de entrar no jogo, de perceber que esse universo existe apenas na factualidade ficcional e que a realidade se esparsa dentro destes muros. O desconstrucionismo de Derrida (e de De Man) fala desta abordagem dos conflitos inorgânicos, da sua inocuidade representativa.A escrita de Rui Herbon aproxima-se destas sínteses cognitivas. Ou seja, este romance inscreve-se nas definições avançadas por Miguel Real no livro Geração de 90 – Romance e Sociedade no Portugal Contemporâneo: “ alia o objectivismo mais chão ao subjectivismo mais delirante”. Um texto onde se cruzam as linhas mais intensas da narrativa contemporânea: realismo, subjectivismo e desconstrucionismo.
Ao driblar as linhas de fuga, o romance O Romper das Ondas, inaugura um novo paradigma: não será mais possível falar do amor, das pulsões interiores, sem uma ruptura com a linguagem: há uma linguagem que inaugura um modo de dizer a solidão hodierna, os modos de dizer o silêncio e a incomunicabilidade, uma forma outra de no-lo dizer, de gritar contra o silêncio.

(1) – Fernando Guimarães, A Poesia Portuguesa Contemporânea – Edições Quasi

DOMINGOS

sábado, 7 de março de 2009

SALAZAR DE BOLSO

António de Oliveira Bond

A SIC mostrou aos portugueses, numa mini série de dois episódios, Salazar como nunca ninguém o viu. Uma alusão à vida íntima do homem que governou o país em ditadura durante quase quarenta anos. Um Salazar muito dado aos prazeres carnais com as mulheres, num mundo que, ao que a SIC fez constar, foi sempre encoberto pelo próprio e pelo regime que liderava.

Foi com relativa atenção e curiosidade que segui os dois episódios que a estação de Carnaxide passou em horário nobre. Mas foi com grande espanto que, na versão SIC do “botas”, constatei que o homem era afinal um “Don Juan”. Aliás, para mim, que segui a versão SIC da vida íntima do ditador, o nome apropriado que me ocorreu chamar-lhe foi - Salazar, António de Oliveira Salazar – exactamente! O nosso James Bond! Até porque com a personificação do “botas de Santa Comba” feita pelo Diogo Morgado, o senhor ficou mais afável e com melhor aspecto (quem viu os dois episódios até ficou com pena do “troca tintas” ter morrido), daí que o seu “sex appeal” fosse assim tão apreciado pelas senhoras.
No entanto ficou a perceber-se porque é que o ex-presidente do conselho era tão amargo, ou não tivesse o “botas” ficado perdido de amores pela única mulher que não conseguiu, vá lá, acarinhar... Porque de resto, mais nenhuma escapou aos encantos do António de Oliveira, um verdadeiro Bond. Julgo até que Ian Fleming, um espião que esteve alguns tempos em Lisboa em missões durante a Segunda Guerra Mundial e foi na sua própria experiência que se baseou para criar James Bond, deve ter tido conhecimento da vida íntima do “botas” e adaptou-a ao agente secreto mais famoso do mundo. É uma analogia natural que faço, depois de ter visto a série da SIC. E por isso, de cada vez que assistir a filmes do Bond, vou tentar encontrar semelhanças com Salazar.
Num ano como o que atravessamos, com uma crise mundial sem precedentes, e mais internamente com eleições europeias, autárquicas e legislativas, aquilo que se pede é que haja discernimento para saber o que foi o Portugal de Salazar e o que é o Portugal de hoje, apesar da televisão já várias vezes ter passado uma mensagem contrária. Porque em tempos de crise, diz a história, o povo agarra-se a qualquer salvador que por aí apareça e isso nem sempre foi a melhor solução.

Pedro

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

MEMÓRIAS DE BOLSO

ABRIR AS PORTAS À VIDA E LEMBRAR JOSÉ CARLOS ARY
DOS SANTOS – PARA RASGAR O SILÊNCIO


Nem todas as limitações sentidas pelos criadores à difusão dos seus textos, dos seus filmes, do seu teatro – para nos limitarmos às artes que têm a palavra como modo privilegiado de transmissão de ideias, de emoções e de afectos (embora no cinema e em algum teatro contemporâneo a palavra possa ser apenas um meio subsidiário e não o veículo principal) – se abateram com a queda do fascismo. Se no período sequente à Revolução de Abril foi possível aos criadores divulgar as suas obras e se criaram mecanismos de abolição dos entraves censórios e, consequentemente, se desenvolveram meios de apoio à sua geral prática e difusão pública, após o golpe reaccionário de 25 de Novembro a burguesia, com o apoio de alguns agentes conservadores, reciclados democratas em Estado Novo, cuidaram de gerar as estratégias de cerco – não já ostensivamente censórias, com lápis azul e broncos coronéis que o caruncho e o medo haviam compulsivamente levado a desertar para uma estratégica reforma – de forma mais subtil mas não menos segregadora da criação literária e artística livre e de clara opção anticapitalista, ou de tentar silenciar as vozes que ousassem criticar a deriva neo-liberal, então já claramente esboçada.
Os bloqueios socioeconómicos e profissionais não se fizeram esperar com os media a serem invadidos pelo grande capital, numa lógica rapace de controlo da informação e das ideias e de permanente intoxicação da opinião pública, visando não apenas o lucro mas, sobretudo, o poder de difundir o pensamento único.
Ary foi uma das vozes que esses poderes tentaram silenciar. Eduardo Pitta, com o desassombro que lhe reconhecemos, num texto publicado no livro “Comenda de Fogo”, em 2001, punha a faca a jeito e cortava onde doía, revelando que por parte da crítica instalada existia o silêncio ensurdecedor – aquele que por completo obliterou o poeta das FOTOS-GRAFIAS, uma espécie de agentes ideológicos, prontos a devorar as vozes mais incómodas e irreverentes. Nada, portanto, que já não se soubesse e que o próprio poeta, ainda em vida, não sofresse com a mágoa/raiva que lhe era peculiar, embora, quando a isso instado, esboçasse aquele sorriso de criança rebelde, remetendo-nos para os versos do poema Queixa e Imprecações dum Condenado à Morte: Por existir me cegam,/Me estrangulam,/Me julgam,/Me condenam,/Me esfacelam./ Por me sonhar em vez de ser me insultam,/Por não dormir me culpam/E me dão o silêncio por carrasco/E a solidão por cela. (1)
As ideologias de direita nascem das contradições do sistema, ajustam-se pragmaticamente às circunstâncias históricas do momento, têm um sentido aglutinador e concentracionário, mesmo que fragmentado, principalmente quando a crise abala o seu território.
Lenine recusava a redução das ideologias a sistemas de ideias e Gramsci avançava que enquanto historicamente necessárias, as ideologias possuem uma validade que é psicológica, ou seja, organizam as massas, formam o terreno onde os homens se movem, onde adquirem consciência da sua condição. O neo-liberalismo serve-se da ideologia para criar o inconsciente cultural, que lhe permite o domínio e controlo dos imaginários que reflictam criticamente sobre o real, exercendo vigilância activa sobre os produtos culturais por forma a criar a necessidade psicológica da fuga ao sacrifício (ao real) para melhor estabelecer o seu domínio.
Foi, seguindo este método, que quiseram relegar o autor de O Sangue das Palavras, quando o escândalo do silêncio começava a desnudar o sujo da marosca, à qualidade “menor” de poeta de cantigas, como justificativo do cutelo segregador. Também por aí a coisa surtiu coxa. Estimáveis comparsas dessas luminárias, punham-se a jeito, sem disfarce, para que os cantores e cantadores da moda lhes trauteassem as medíocres letrinhas. A manobra, tresandando a elitismo pacóvio, não pegou. Melhor e mais eficaz, lhes pareceu relegar a voz incómoda de Ary dos Santos (como anteriormente haviam feito com Armindo Rodrigues, João José Cochofel, José Gomes Ferreira, Manuel da Fonseca, etc.) para o limbo dos ícones de Abril e ter a maçada de lhes limpar o pó uma vez por ano, sem alardes excessivos, até que o tempo passe e deles se esqueçam os
vindouros aos quais vão, subtilmente, sonegando a memória essencial.
A esta democracia, cada vez mais amarrada aos rumores de cavername do 28 de Maio, a palavra clara e firme de um poeta é-lhe insuportável, mesmo quando os seus versos transportam e afirmam os mais lídimos anseios do seu povo. A esta via sinuosa para o desastre, basta-lhe a birra suave e controlada de um poeta de voz cava e monocórdica que teima em afirmar, regianamente, que não vai por aí, mesmo que os ínvios caminhos escolhidos o reconduzam, como um Sísifo dos nossos dias, à praça onde paulatinamente os seus companheiros vão agrilhoando as canções e onde tentam fechar o vento que, pertinaz, vai transportando pelos ares o inconformado grito das vozes deste país.
José Carlos Ary dos Santos foi sempre um poeta de pé, de coragem, de afrontamento. De causas. Excessivo e claro, generoso até ao osso, sensível até ao desatar das lágrimas, um sátiro que usava com destreza e originalidade o verbo para despir na praça os hipócritas, os sabujos e deixar à mostra o cetim estiraçado da moral burguesa. Para desmontar e subverter, criar a desordem que lançasse por terra os valores anquilosados: A cabeça de vaca de minha tia refoga/nas lágrimas burguesas da família enlatada/cozinha-lhe a memória um viúvo de toga/descasca-lhe a cebola uma filha frustrada. (2)
Ary é, assim, como o afirmou Natália Correia “um dinamizador da matéria poética” mas, sobretudo, um exímio comunicador que sabia que as palavras têm peso, espessura, qualidades. Não quis nunca, mesmo nos primórdios, que os versos servissem para decorar a sala de visitas, ou entediar os serões da burguesia. Como Lorca, António Machado, Alberti, Neruda, ele sabia que a poesia era uma arma carregada de futuro (Gabriel Celaya), um caminho a desbravar, um instrumento mais para erguer a voz e cantar a justiça e a paz, para ajudar Abril a caminhar, acreditando que O que é preciso é termos confiança/se fizermos de Maio a nossa lança/isto vai meus amigos isto vai.
Por isso, por este verbo rasante e justo, sem concessões, José Carlos Ary não rejeitava o epíteto de “poeta popular”. Popular na mais ampla conexão etimológica; popular porque relacionado com o povo, com ele democraticamente solidário.
Poeta popular porque reconhecido pelas massas, sancionado pelo povo; popular como o foram os poetas do Cancioneiro, como Camões, Bocage, Guerra Junqueiro, João de Deus, Gomes Leal. Popular, porque o Povo lhe sabe as cantigas, as canta em coro: Os Putos; Lisboa Menina e Moça; O amarelo da carris; O Cauteleiro; O Fado do Campo Grande; Amêndoa Amarga; Meu amor, meu amor; Alfama; A Tourada; A Desfolhada; A Cidade e mais de seiscentas outras que mudaram radicalmente o modo de escrever os versos das cantigas, que transformaram o panorama da nossa música ligeira, ainda no limbo do nacional cançonetismo. Ao publicar (1975) uma narrativa em verso rimado intitulada As Portas que Abril Abriu, Ary dos Santos assume-se, isto é, interdita-se pela poética popular (nos seus traços exteriores) e pelo comprometimento na sua dimensão didáctica. (3)
Mas, igualmente, o poeta do verso intempestivo, ardente, onde perpassa uma matriz pré-surrealizante (Adereços, Endereços), e uma voz que mistura um Genêt carnal e físico, e o excessivo clamor de Rimbaud (A Liturgia do Sangue). É com Adereços, Endereços, que Ary afirma, no contexto das vozes reveladas nos anos 1960 e na poesia portuguesa contemporânea, a sua voz singular, a sua originalidade sintáctica, que disseca a modernidade, mas que a um tempo o afasta formalmente, pelo torrencial estilístico e inconformado rebelde dessa fala, de alguns poetas da Poesia 61, muito mais orgânicos e academizantes, embora lhe possamos assacar traços de familiaridade com o sarcasmo de Armando Silva Carvalho e no nebuloso surreal de Fernando Grade. De resto, Ary é um dos poetas presentes na antologia Poesia 71, organizada por Fiama Hasse Pais Brandão e Egito Gonçalves, com 2 retratos dedicados a Guerra Junqueiro e Camões, retirados do livro Fotos-Grafias, que o poeta havia publicado em 1970.
Independentemente de procurarmos saber que espaço ocupará a arte poética de Ary dos Santos na história da Literatura Portuguesa (o tempo se encarregará de separar trigo e joio), o poeta de VIII SONETOS (atenção ao magnífico estudo de Manuel Gusmão que acompanha a 1ª. edição deste livro) será sempre para os homens justos desta terra, um dos mais raros e fecundos cultores da palavra poética da segunda metade do século XX português. Frontal sempre, e sagaz e inquieto, construindo o poema com a textura precisa, moldável, com um ritmo substantivo e exacto para caber no poderoso fluxo da sua voz, essa voz que enche de colorações inusitadas, modelando as palavras e transfigurando-as, transmitindo-lhes reverberações que a leitura corrente, por mais atenta, não se atreve a descortinar – palavras que na sua voz ganham um fulgor novo e nos parecem quase inverosímeis de tão certeiras e urgentes. A voz, o poder épico dessa voz, arrasta consigo o âmago mais secreto das palavras, cobre-as de sentido. De sentidos: no sarcasmo, na sátira, na denúncia, na emotividade. Ainda hoje não conseguimos ler As Portas que Abril Abriu sem lhe seguirmos o ritmo, a força, o exuberante clangor da forma como Ary diz os versos finais: Agora, ninguém mais cerra/as portas que Abril abriu.
Mesmo nesse rumor fundo do silêncio detectado por Eduardo Pitta, as palavras de José Carlos Ary dos Santos continuarão a estar vivas, a ressoar como um alerta aos nossos ouvidos, a caminhar ao nosso lado. Porque, por muito que tentem calar, um poeta Nunca canta sozinho, dado que “É por dentro de um homem que se ouve/o tom mais alto que tiver a vida/a glória de cantar que tudo move/ a força de viver enraivecida.” (4)



José



(1) – In “A Liturgia do Sangue” – Obra Poética – Ed. Avante
(2) – In “Insofrimento” - Obra Poética – Ed. Avante
(3) – in “10 Anos de Poesia em Portugal” de Manuel Frias Martins – Ed. Caminho
(4) – In “O Sangue das Palavras” – Obra Poética – Ed- Avante

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O Nosso País é uma Fantochada (de bolso)


Medina Carreira no programa "Nós Por Cá", da SIC, "rasga" o governo e todas as suas opções de propaganda.

É só clicar aqui e ver.